segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A FILOSOFIA EM SALA DE AULA: UMA ANÁLISE EM ABERTO

Desde que o componente curricular de Filosofia foi, por assim dizer, “reabilitado” em nossas grades curriculares, por conta da nova LDB e regulamentada a sua docência, correm rios de tinta acerca dessa importante disciplina que faz tanta falta hoje às mentes dos que estão na linha de ponta de muitas áreas da sociedade, e são fruto de uma geração “amputada” intelectualmente pelos 21 anos de governo militar no Brasil. O alvo de tanta discussão, deve, talvez, ser diagnosticado em duas frentes: a primeira, quanto à didática. A segunda, quanto ao conteúdo. Para desenvolver ambas as frentes, há portanto, que se fundamentar a necessidade da Filosofia, pois ainda existe quem não veja tal necessidade. Por isso, preliminarmente, vamos abordar algumas considerações preliminares: Antes de mais, escusado é defender a necessidade e a importância desse componente para a formação humana e intelectual de nossa juventude. Desde o primeiro contato com meus alunos no primeiro dia de aula do primeiro ano, quando se apresenta a Filosofia, uma questão é proposta: Filosofia – o que é e para que serve? E aí é interessante observar que, geralmente, poucos trazem alguma noção viável dessa área do saber, mas a maioria não consegue, num primeiro momento, vislumbrar, como eles dizem, uma importância prática dessa disciplina. Ressalto a palavra “prática”, pois nossos jovens chegam a nós eivados de uma ideologia tecnicista que endeusa apenas justamente o que tem utilidade prática e lucrativa. Começa então um longo caminho de discussão e reflexão conjunta, onde se procura mostrar que o axioma de Aristóteles é válido: “Das duas uma: deve-se filosofar ou não se deve filosofar; mas, para negar a necessidade do filosofar é, ainda assim, preciso filosofar”. (Aristóteles, Protréptico) É custoso fazer o jovem de hoje perceber que há necessidades humanas que não têm obrigatoriamente um fim prático ou econômico. É o caso da arte, por exemplo. Esta, em suas múltiplas expressões, não tem um fim prático em si mesma considerada, mas é de essencial presença na vida humana sob vários aspectos. O mesmo ocorre com a Filosofia, já vista de diversas maneiras ao longo da história, desde a ciência dialética, para os antigos gregos, passando pela “ancilla theologiae” do medioevo escolástico, até se tornar um exercício racional de negação dessa mesma história cumulativa de experiências do pensar, na modernidade, a partir de Descartes. O professor A. C. Ewing, em interessante artigo afirma: “Não resta dúvida de que uma das mais importantes fontes de felicidade, ao menos para os que podem apreciá-la, consiste na busca da verdade e na contemplação da realidade; eis aí o objetivo do filósofo. Ademais, aqueles que, em nome de um ideal, não classificaram todos os prazeres como idênticos em seu valor, tendo chegado a experimentar o prazer de filosofar, consideraram essa experiência como superior em qualidade a qualquer outra. Visto que a maior parte dos bens que a indústria produz, excetuando os que suprem nossas necessidades básicas, valem apenas como fontes de prazer, torna-se a filosofia perfeitamente apta, no que se refere à utilidade, para competir com a maioria dos produtos industriais, quando poucos são os que podem dedicar-se, em tempo integral à tarefa de filosofar”. I - Voltemos, no entanto, ao foco primeiro desta reflexão, que se prende ao ensino da Filosofia em sala de aula. Do ponto de vista didático, talvez o consenso seja menos problemático. Hoje crê-se que é indispensável o uso de certos recursos para o desenvolvimento da disciplina. Assim, ninguém duvida que um bom filme, escolhido com vistas à faixa etária a ser apresentado, pode resultar num excelente meio para o professor desenvolver seu tema. O mesmo vale para uma projeção de Power point, desde que seja apoio e não a aula em si. Ou uma música sugestiva para dar o “chute inicial” à aula, Como por exemplo, a música “Oito anos” cantada por Adriana Calcanhoto: Por que você é flamengo E meu pai botafogo? O que significa "impávido colosso"? Por que os ossos doem Enquanto a gente dorme? Por que os dentes caem? Por onde os filhos saem? Por que os dedos murcham Quando estou no banho? Por que as ruas enchem Quando está chovendo? Quanto é mil trilhões Vezes infinito? Quem é Jesus Cristo? Onde estão meus primos? Well, well, well Gabriel... Well, Well, Well, Well... Esta música serve de mote para a discussão inicial sobre o que é a Filosofia. Pois, se desde crianças somos levados por natural curiosidade de saber, isso se estende pela vida afora, desabrochando muitas vezes na sistematização do pensamento, das questões e das respostas de modo metódico e lógico. Isto já é Filosofia. Portanto, conclui-se, todo ser humano em normais condições, tem todo um potencial filosófico em si. Mais uma vez citando Aristóteles, o Estagirita abre sua obra “Metafísica” afirmando que “todo homem é naturalmente inclinado ao conhecimento”. Dizer isso é dizer que todo ser humano tem o potencial para a reflexão filosófica e desde pequeno. No entanto, vale lembrar que, por mais que o professor tenha domínio dos modernos meios de comunicação e utilitários à disposição em muitas salas de aula de nosso tempo, jamais ele poderá prescindir do principal instrumental de que dispõe: a palavra. Penso que isso em termos de ensino de Filosofia, mas não só ela, é fundamental na prática educativa. Acredito que nada, por mais imaginativo ou tecnológico que for, poderá dispensar a palavra do mestre, nem que seja para um comentário. E é aí que defendo a necessidade perene da presença do educador em sala. Muito se tem falado ultimamente dos famosos cursos á distância ou mesmo de aulas prontas, que são acessadas na internet, como as aulas do norte-americano Salman Khan, as quais têm feito grande sucesso. Ora, em que pese toda a novidade tecnológica e midiática da iniciativa de Kahn e ainda que possa trazer resultados, o que falta aos nossos alunos não é algo que recursos tecnológicos possam dar. Eles sentem real necessidade da proximidade humana e da profunda influência que a relação professor-aluno propicia. Nada, absolutamente nada à distância poderá substituir o encontro humano “olho no olho”, face à face, onde mestre e discípulo sentem uma proximidade que muitas vezes não encontram nem mesmo nos círculos mais íntimos. Saber, por exemplo, que um aluno não vai bem por conta de algum problema pessoal, de uma perda, de um fracasso, etc. ou regozijar-se com ele por uma conquista, um acontecimento feliz em sua vida, ou mesmo simplesmente parabenizá-lo porque conseguiu recuperar o bimestre, não há tecnologia que substitua. Ao longo de minha caminhada docente, não raras vezes deparei-me com ex-alunos que tomaram tal ou tal decisão na vida por conta de algo que disse dentro ou fora da sala de aula. E creio que assim sucede com muitos colegas que encaram a docência não apenas como ganha-pão, mas como missão, a mais nobre, porque se refere à lapidação de consciências vivas. Assim, quanto ao aspecto didático, por mais que se inove, e devemos inovar e utilizar os recursos de que dispomos, nunca se poderá abandonar o eixo principal que norteia todo o processo educativo; a relação professor-aluno, pois é o ponto de partida e de chegada para a transformação do saber e da experiência de vida de todos os envolvidos no processo. II - Quanto ao conteúdo a ser ministrado na disciplina, penso termos aqui mais dificuldades de consenso. Há duas possibilidades que, a meu ver, são incompletas e, por isso mesmo, não respondem plenamente ao processo de ensino-aprendizagem em Filosofia. E por fim, indico uma terceira via que acredito. A primeira postura seria a de ministrar apenas conteúdos da tradição filosófica. O pensamento dos grandes nomes da história da Filosofia, seus sistemas e conceitos. Essa via tem a vantagem de iniciar os alunos no pensamento da grande galeria dos pensadores de todos os tempos. Por outro lado, se o curso se basear apenas no aspecto histórico, não haverá espaço para a reflexão pessoal do aluno, que deverá ser instado a fazer sua própria síntese. A segunda alternativa é abraçada pela maioria dos estudiosos de hoje. Consistiria em aplicar rigorosamente a máxima kantiana: “Não se ensina Filosofia, ensina-se apenas a filosofar”. Baseados nesse princípio, muitos acham que o correto na prática docente de Filosofia no Ensino Médio seria apenas aulas-debate, onde o aluno poderia se expressar livremente e, dessa maneira, chegar à reflexão filosófica apenas na prática. A segunda alternativa é tão incompleta quanto a primeira. Não basta apenas levar os alunos a “discutir temas sem fim”, pois isso levaria ao “achismo”, sem ter uma base em que se apoiar a partir do que já foi pensado a respeito do assunto em questão na aula. Por isso, penso e pratico uma terceira via; Essa “terceira via” seria a cominação das duas anteriores. É fundamental aos alunos conhecerem a tradição filosófica, e, minimamente o que os antigos e modernos filósofos disseram, por vários motivos. Entre eles, pesa o fato de que muitos conceitos que ainda hoje utilizamos no dia-a-dia são originários do pensamento antigo. Quando, por exemplo, dizemos que alguém tem “potencial” para algo, estamos utilizando um conceito aristotélico que fez história. Outrossim, conhecer a história do pensamento humano, do mesmo modo que conhecer a história da humanidade ou a própria história de vida familiar é essencial para a construção da identidade intelectual e humana. Mas essa terceira via, para ser eficaz, deve contemplar igualmente a reflexão crítica do aluno. Assim, a didática entra como importante auxiliar que pode oferecer instrumentais como foi dito acima, que facilitem o processo de discussão e reflexão do aluno. Muitos conceitos e ideias de filósofos da tradição podem ser como que “testados” em temas da atualidade. Como tal filósofo veria tal situação política ou econômica que está acontecendo nos noticiários? Ou qual o significado de tal ou tal tendência da modernidade? Enfim, há inúmeras possibilidades de abordagem que podem e devem ser utilizadas, sobretudo se houver tempo disponível em termos de horas-aula. Então, com o instrumental adquirido pelo conhecimento dos maiores aliado à capacidade pessoal de reflexão, o educando pode fazer ótimas intervenções críticas e pertinentes, como tenho observado. Enfim, este assunto presta-se a muitas discussões ainda. Esta breve reflexão não pode dar conta de todos os ângulos da problemática neste espaço, pois isso requer abordar a situação do profissional docente no Brasil, o preparo dos alunos desde o Fundamental I e II. E, talvez o mais importante, como diz o Prof. Renato Nunes Bittencourt no artigo “Conhecimento à venda?” in: Filosofia Ciência e vida. Escala Educacional, Ano VI, Ed. 78, jan. 2013”, toda esta problemática educacional é corroborada pela crise da família. Mas este é outro assunto. Prof. Atílio Monteiro Júnior Docente de Filosofia e História no Colégio FAAP