quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

HISTÓRIA: O QUE É? UM "BRAINSTORM"


HISTÓRIA: O QUE É? -  UM “BRAINSTORM”


A pergunta parece simples. A reposta, nem tanto. A presença da História no cotidiano da humanidade é fato, é evidente. No entanto, rios de tinta já foram vertidos ao longo do tempo, no sentido de se conhecer, pensar  e avaliar a existência e a necessidade dessa disciplina tão fascinante e, ao mesmo tempo tão fluida, como a História.  Sabemos que desde os primórdios, o ser humano se preocupou com ela, ou seja, se preocupou com o registro sobre si mesmo. É próprio da natureza humana (no sentido aristotélico) registrar a memória dos fatos. Por isso,  podemos com toda a propriedade falar do “Homo historicus”.  Portanto, partimos já de um pressuposto conhecido: a História fala da realidade do ser humano. Isto, de per si, já seria motivo de reconhecermos a importância desse componente.  Mas, como tantas outras ciências humanas e outras não tão humanas assim, a História tem um objeto e um método que lhe são próprios. Talvez aqui  nos interesse sobremaneira, até por conta da inquietação apontada no título, os desdobramentos de seu objeto, suas implicações para nós hoje, humanidade adentrada no século XXI.
Quanto ao objeto da história, igualmente muito se tem elocubrado. Há desde aqueles que preconizam que a História não é ciência  e nem possui objeto até aqueles que vão no sentido diametralmente oposto. Ficaremos aqui com uma solução que me parece mais segura, dita por Paul Veyne. Segundo ele, a história seria formada por  eventos reais que têm o homem como ator”. A frase em seu bojo nos reporta ao objeto que procuramos: “eventos reais”. A reflexão dos desdobramentos desses eventos na formação da consciência humana e, portanto da sua identidade, é a finalidade do presente artigo.
Sabemos que a História, tal como a abordamos até hoje, nasceu entre os gregos antigos. Filha da memória, a História tinha tanta importância, pois  evidenciava o “ser grego”, que Clio, uma das Musas, foi encarregada de protegê-la e inspirá-la. Assim, acreditada sob a inspiração dos deuses,  Heródoto, ainda fortemente influenciado pela mentalidade mítica pode cunhar sua célebre máxima sobre a História, mestra da vida. E esse mesmo Heródoto, por ter introduzido a História no âmbito da ciência, considerando fatos e não apenas a gesta dos deuses, é o “Pai da História”.
Outra problemática de relevo que se coloca hoje é com relação aos limites da História. Até que ponto é ela ciência ou não? Historiadores há que pretendem que a História é uma ciência. Outros não comungam da mesma idéia. História, Sociologia e Filosofia são partes de uma mesma trama. No século XIX tentou-se a divisão. Continuam entrelaçadas. Uma é fundamento da outra, sendo a História aquela que colabora com a narrativa construída a partir de fontes interpretadas e reinterpretadas contínuamente.
Nesse sentido, a História representaria realmente a memória da comunidade? Será que ela realmente comporta a interpretação de uma sociedade em dado período cronológico da aventura humana sobre o globo? Se olharmos, por exemplo, a atividadade jornalística, ela tem contribuído mais que os historiadores para essa leitura, uma vez que o historiador trabalha eminentemente na academia, isolado,  não necessariamente, portanto, falará a mesma língua do leitor do Ensino Médio. O historiador, enquanto tal, deixa de falar uma linguagem próxima ao leitor comum.
Ora, a História somente tem sentido se tiver uma função social. Se a discussão não sair do grupo restrito de especialistas, torna-se problema. Desse modo é que ouve-se dizer que “a história acabou”.  No século XVIII o grande Kant dizia: “ não  é possível conhecer a essência dos fenômenos”.  Será então, que é possível conhecer o passado como foi ou percebê-lo fenomenicamente? Pois se já é difícil perceber o presente, que dirá o passado? O historiador, condicionado pelo seu tempo e sua cultura, comete anacronismos ainda que inconscientemente.
A ciência, pois, como a temos hoje é um conceito que evoluiu desde Copérnico, Galileu e Descartes – generalização da realidade baseada em modelo que necessita de método e experimentação para ser científica.  De fato, para a História ser ciência, é necessário definir o método histórico.  Mas, apesar disso, a História não se constitui como ciência no sentido das ciências exatas e biológicas.  Não se trata de uma experimentação que comprova a teoria.  O historiador não utiliza um tubo de ensaio num laboratório para istória não é ciência no sentiHistória nH


provar sua tese.
No século XIX o positivismo pretendia fazer da História uma ciência. O positivismo é a ciência da positividade que se opunha ao iluminismo, pois esse, na visão positivista,  queria destruir as instituições sociais. Para o positivismo, a História é ciência pelo simples fato  de que há fontes que nos trazem o passado. Os documentos falam por si. Aqui surge um fator complicador, se se aceita a tese positivista: a ciência feita como redução a modelos. A história seria, então, um produto anacrônico.  Um modelo é sempre reuducionista. No entanto, aquilo que entendemos como História diz mais respeito ao hoje do que aquilo que foi. Afinal, para isso há a pesquisa histórica: a busca da compreensão do que somos hoje. Mas, se a História é a leitura  do passado agora, então ela tem por natureza ser anacrônica. E se o historiador achar que para ter ciência histórica deve fugir do anacronismo, então, não poderá se-lo a contento.
Outro problema: cada um de nós observa de uma maneira e a partir das próprias experiências que já tem, tece interpretações diferentes de um mesmo fato. Isso interfere na utilidade da História? Creio que não, pois se a História está presente na sociedade para responder a  problemas atuais,  essa validade independe da veracidade ou não de determinada  interpretação dada.  Desse modo, temos o postulado da Escola dos Anais que fala de “histórias” – plural. Ou seja, um mesmo fato é interpretado de várias maneiras diferentes.  Assim, uma interpretação não anularia a outra.  Podemos falar, talvez, em vários paradigmas, bases diferenciais sobre os quais teorias são construídas. A Escola dos Anais vai postular outros paradigmas além da macro-história: a micro-história e a história regional. Essa postura em ciências exatas, quebraria os paradigmas. Não em História. Um paradigma não anula o outro.
Ocorre, no entanto, que essa convivência entre paradoxos cria um problema em termos de ensino. O exemplo clássico repousa na interpretação sobre a descoberta do Brasil. Acredito que o professor tem obrigação de dizer: o fato oficial, digamos assim, é tal. Mas existem outras interpretações. Senão, tornar-se-á apenas uma memorização de fatos. E só quando há contestação de fatos, a História contribui para a consciência de uma sociedade, acrescentando algo à sua identidade. Estamos superando um modelo de ensino de cunho “fordista”, ou seja, fragmentado, uma fragmentação que impede de ver mais longe, gerando seres fragmentários.  Antes disso a escola não tinha seriação  - havia um contexto mais humanista, digamos assim.  Até o século XVIII Filosofia e História estavam na mesma “prateleira”. O iluminismo dividiu e estratificou o conhecimento em “disciplinas”.   O fato é que não é possível separar História da Filosofia e da Sociologia.  No entanto, o historiador vai insistir em separar. Daí resulta que, enquanto a Filosofia ceita que certas verdades são provisórias, a História nem sempre aceitará.
E então nos deparamos com outro problema: a questão da subjetividade que, em História, passa pelos agentes que a produzem. O historiador produz a história baseado em fatos.  Nós somos produtores da História. E daí a pergunta: será que o que deixamos registrado individualmente diz respeito à coletividade? Exemplo: em um tribunal, um juiz deveria julgar com neutralidade através de fatos. Mas ao julgar o faz a partir de conceitos particulares. A sentença pode ser vista como uma decisão social, mas é marcada pela subjetividade. Assim faz o historiador.  Do mesmo modo, um jornal é fonte. A narrativa de uma notícia de um jornal A não é igual à mesma notícia em num jornal B, pois além da individualidade, há a intenção da fonte – os pressupostos editoriais de cada jornal.  As fontes sempre terão a questão da intencionalidade de quem produziu a fonte (culturas, ideologias, influências, preconceitos, etc.).
Como solucionar a questão da interpretação?  O historiador deveria fazer um trabalho  de separar o joio do trigo. É possível? Segundo Paul Veyne “a História tem grande proximidade com a ficção”. Segundo ele, o historiador quando escreve, não escreve diferentemente de um romance. A interpretação do passado é ficção. Isso não significa que não é ciência, pois é verossímil quanto à fundamentação mas tem uma carga de imaginação. Assim, a História é literatura também. Mas não uma literatura qualquer. Quando o historiador escreve, o faz par um público alvo, que são seus pares. Escreve, pois, com uma linguagem diferente. Mesmo tentando chegar a um público geral, muitas vezes não consegue atingir. O que acontece com  a linguagem? Se o livro não conversa com o leitor, não serve para nada. Isto talvez  ocorra porque o historiador, enquanto tal, está mais preocupado em representar a memória do período que quer descrever.
Mas o que é memória? São fatos que representam a identidade de pessoas? É recordação? Memorizar é recordar? Será reminiscência, ou seja, narrativa do que foi o fato, sem, no entanto, dele participar? Pode-se falar de memória coletiva, mas não na História e sim, no mito. Porque o historiador representa “memórias”, conjuntos que expressam a realidade atual através de uma narrativa específica. Assim, a História, sendo uma memória múltipla, vai cair na área da literatura, como foi dito. E a estrutura lingüística diz respeito a um contexto que, se retratado, estrá se fazendo História. Existe, pois, uma linha muto tênue entre História e Literatura.
Enfim, a importância da História como tal, é fomentar o debate. Essa não é função precípua apenas da Filosofia. Aliás, qualquer área da educação deve fazê-lo.  Não importa se a História é ciência ou não, o que importa é a História continuar convivendo com a multiplicidade de paradigmas e com os pardoxos. De fato, apenas assumindo essa atitude eminentemente socrática, a História poderá continuar sendo “mestra da vida”.







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